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Por que Líderes Inteligentes Cometem Erros Estúpidos e Como Evitá-los

No mundo corporativo, espera-se que líderes com alta inteligência, formação acadêmica sólida e vasta experiência tomem decisões assertivas e guiem suas equipes ao sucesso. No entanto, a realidade frequentemente nos surpreende: pessoas extremamente inteligentes cometem erros que, à primeira vista, parecem inexplicáveis. Por que isso acontece? E, mais importante, como líderes podem evitar cair nessas armadilhas? Baseado no livro Por que Pessoas Inteligentes Cometem Erros Idiotas? de David Robson, este artigo explora as razões por trás desses equívocos, os processos cognitivos que levam a decisões irracionais e estratégias práticas para líderes cultivarem uma mentalidade mais sábia e eficaz.

A Armadilha da Inteligência: Quando o QI Não é Suficiente

A inteligência, frequentemente medida por testes de QI, é valorizada como um indicador de capacidade para resolver problemas complexos, aprender rapidamente e tomar decisões acertadas. No entanto, como Robson aponta, a inteligência não garante sabedoria. Pelo contrário, em muitos casos, ela pode amplificar erros cognitivos, levando a decisões desastrosas.

O Caso dos Termites: Inteligência Não Prediz Sucesso Absoluto

No início do século XX, o psicólogo Lewis Terman conduziu um estudo revolucionário com crianças superdotadas, apelidadas de “Termites”, que tinham QIs acima de 135. Terman acreditava que essas crianças, por sua inteligência excepcional, estavam destinadas a se tornarem líderes em ciência, arte e política. Décadas depois, os resultados foram surpreendentes: embora muitos Termites tenham tido carreiras bem-sucedidas, outros não alcançaram o sucesso esperado. Por exemplo, Sara Ann, com um QI de 192, viveu uma vida nômade e nunca aproveitou plenamente seu potencial intelectual, enquanto Jess Oppenheimer, com um QI mais baixo, tornou-se um roteirista de sucesso e inventor do teleprompter.

Esse estudo revela uma verdade incômoda: a inteligência geral, medida por testes como o QI, não é um preditor infalível de sucesso ou bom julgamento. No contexto corporativo, isso significa que líderes com credenciais impressionantes podem falhar se não desenvolverem habilidades complementares, como humildade intelectual, reflexo cognitivo e capacidade de aprender com erros.

A Dysrationalia: Quando a Lógica Falha

Outro conceito central no livro é a dysrationalia, termo cunhado por Keith Stanovich para descrever a incapacidade de pensar racionalmente apesar de uma inteligência elevada. Um exemplo marcante é Kary Mullis, ganhador do Prêmio Nobel por sua invenção da PCR (reação em cadeia da polimerase), mas que defendia crenças pseudocientíficas, como a negação da relação entre HIV e AIDS. No ambiente corporativo, a dysrationalia se manifesta quando líderes, confiantes em sua expertise, ignoram evidências contrárias ou tomam decisões baseadas em vieses cognitivos.

Por exemplo, imagine um CEO que, por excesso de confiança, insiste em uma estratégia de mercado que contraria dados claros de desempenho. Essa rigidez pode levar a perdas financeiras significativas ou à erosão da confiança da equipe. A dysrationalia é agravada pelo viés do ponto cego, onde líderes inteligentes são menos propensos a reconhecer falhas em sua própria lógica, acreditando que sua inteligência os protege de erros.

A dysrationalia é agravada pelo viés do ponto cego, onde líderes inteligentes são menos propensos a reconhecer falhas em sua própria lógica, acreditando que sua inteligência os protege de erros.

A Maldição do Conhecimento

Outro obstáculo é a maldição do conhecimento, que ocorre quando especialistas, imersos em seu domínio, assumem que todos compartilham seu nível de entendimento. Isso pode levar a decisões mal comunicadas ou estratégias que não consideram as perspectivas de outros stakeholders. Por exemplo, um líder de TI pode propor uma solução tecnológica avançada sem considerar que a equipe de vendas, menos familiarizada com a tecnologia, enfrentará dificuldades para implementá-la. Essa falha de comunicação pode gerar resistência e comprometer resultados.

Como Escapar da Armadilha da Inteligência

A boa notícia é que a armadilha da inteligência pode ser evitada. Robson apresenta estratégias baseadas na sabedoria baseada em evidências, uma disciplina emergente que combina psicologia, neurociência e filosofia para promover um raciocínio mais equilibrado e eficaz. Aqui estão algumas práticas que líderes corporativos podem adotar:

1. Cultivar o Reflexo Cognitivo

O reflexo cognitivo é a habilidade de questionar intuições iniciais e considerar alternativas antes de decidir. Um teste simples, apresentado por Robson, ilustra essa habilidade:

Jack está olhando para Anne, mas Anne está olhando para George. Jack é casado, mas George não é. Uma pessoa casada está olhando para uma pessoa solteira?

A resposta correta é “sim”, mas muitas pessoas, incluindo alunos de universidades de elite, respondem “é impossível determinar”. Esse erro ocorre porque a intuição inicial falha em considerar todas as possibilidades lógicas. No contexto corporativo, o reflexo cognitivo é essencial para evitar decisões precipitadas. Por exemplo, antes de descartar uma ideia de um subordinado, um líder reflexivo pode pausar, analisar os dados e considerar perspectivas alternativas.

Atividade Prática: Antes de tomar uma decisão importante, adote a técnica do advogado do diabo. Peça a um membro da equipe que argumente contra a proposta em questão, forçando você a confrontar possíveis falhas em sua lógica.

2. Desenvolver Humildade Intelectual

A humildade intelectual envolve reconhecer os limites do próprio conhecimento e estar aberto a aprender com outros. Sócrates, citado por Robson, afirmava ser sábio justamente por reconhecer sua ignorância. No ambiente corporativo, líderes humildes são mais propensos a buscar feedback, admitir erros e ajustar estratégias quando necessário.

Um exemplo prático é o caso de CEOs que implementam sessões de aprendizado pós-projeto, onde a equipe analisa sucessos e falhas abertamente. Essa prática não apenas melhora o desempenho futuro, mas também fortalece a confiança da equipe no líder, que demonstra vulnerabilidade e compromisso com a melhoria contínua.

No ambiente corporativo, líderes humildes são mais propensos a buscar feedback, admitir erros e ajustar estratégias quando necessário.

Atividade Prática: Reserve tempo mensal para uma reunião de feedback anônimo, onde a equipe pode apontar áreas de melhoria sem medo de represálias. Use essas informações para ajustar seu estilo de liderança.

3. Adotar um Mindset de Crescimento

Carol Dweck, citada no livro, diferencia o mindset fixo (a crença de que habilidades são inatas e imutáveis) do mindset de crescimento (a crença de que habilidades podem ser desenvolvidas com esforço). Líderes com mindset de crescimento veem erros como oportunidades de aprendizado, enquanto aqueles com mindset fixo podem se tornar defensivos ou evitar desafios.

No contexto corporativo, um líder com mindset de crescimento pode transformar um projeto fracassado em uma lição valiosa. Por exemplo, após uma campanha de marketing que não atingiu os resultados esperados, o líder pode conduzir uma análise detalhada para identificar o que deu errado, em vez de culpar a equipe ou ignorar o problema.

Líderes com mindset de crescimento veem erros como oportunidades de aprendizado, enquanto aqueles com mindset fixo podem se tornar defensivos ou evitar desafios.

Atividade Prática: Após cada projeto, realize uma análise de lições aprendidas. Pergunte: “O que funcionou? O que não funcionou? Como podemos melhorar na próxima vez?” Encoraje a equipe a compartilhar ideias sem julgamento.

4. Combater a Desinformação com um Kit Detector de Bobagens

No mundo atual, líderes são bombardeados com informações, muitas vezes contraditórias ou enganosas. Robson sugere o desenvolvimento de um kit detector de bobagens, que inclui habilidades para avaliar criticamente fontes de informação. Isso é especialmente relevante em um ambiente corporativo, onde decisões baseadas em dados imprecisos podem ter consequências graves.

Por exemplo, um líder pode ser tentado a adotar uma nova tecnologia com base em um artigo sensacionalista que exagera seus benefícios. Usando o kit detector de bobagens, o líder pode verificar a credibilidade da fonte, buscar evidências independentes e consultar especialistas antes de decidir.

Atividade Prática: Antes de tomar decisões baseadas em relatórios ou notícias, aplique o teste CRAAP (Currency, Relevance, Authority, Accuracy, Purpose) para avaliar a qualidade da informação. Isso ajuda a filtrar dados confiáveis de informações duvidosas.

A Sabedoria Coletiva: Evitando a Estupidez em Equipes

Além de desenvolver habilidades individuais, líderes devem garantir que suas equipes operem com sabedoria coletiva. Robson destaca que até equipes compostas por indivíduos brilhantes podem tomar decisões estúpidas devido a dinâmicas disfuncionais.

O Fracasso da Seleção Inglesa de Futebol

Um exemplo marcante é a derrota da seleção inglesa de futebol para a Islândia na Euro 2016. Apesar de contar com jogadores talentosos e altamente remunerados, a equipe inglesa foi superada por uma Islândia menos experiente, mas mais coesa. A falta de colaboração, excesso de egos e ausência de humildade intelectual contribuíram para o fracasso inglês. No contexto corporativo, isso se assemelha a equipes onde estrelas individuais competem por destaque, em vez de trabalharem juntas.

Construindo um “Dream Team”

Para evitar esses problemas, Robson cita pesquisas de Anita Woolley, que identificaram fatores que aumentam a inteligência coletiva de equipes:

  • Diversidade Cognitiva: Equipes com perspectivas variadas tomam decisões mais criativas e robustas.
  • Comunicação Aberta: Ambientes onde todos podem contribuir sem medo de críticas geram melhores resultados.
  • Empatia e Teoria da Mente: Líderes que entendem as emoções e perspectivas dos membros da equipe criam um ambiente de confiança.

Atividade Prática: Implemente dinâmicas de brainstorming inclusivo, onde cada membro da equipe é incentivado a compartilhar ideias antes de qualquer discussão ou crítica. Use ferramentas como quadros colaborativos digitais para capturar todas as contribuições.

O Papel da Liderança Humilde

Líderes humildes, como o técnico islandês Heimir Hallgrimsson, que também era dentista e mantinha uma abordagem acessível, são mais eficazes em fomentar a colaboração. No ambiente corporativo, isso significa evitar a microgestão, valorizar as contribuições da equipe e reconhecer que o sucesso é coletivo.

Líderes humildes são mais eficazes em fomentar a colaboração

Lições Organizacionais: Evitando Catástrofes

Robson também explora como organizações inteiras podem cair na armadilha da inteligência. O desastre da Deepwater Horizon, da BP, é um exemplo clássico. Apesar de contar com engenheiros brilhantes, a empresa ignorou sinais de alerta e priorizou a produtividade em detrimento da segurança, resultando em um vazamento de óleo catastrófico que custou bilhões de dólares.

A Estupidez Funcional

Os autores Mats Alvesson e André Spicer, citados por Robson, descrevem a estupidez funcional como a tendência de organizações suprimirem questionamentos críticos em favor da conformidade. No caso da Nokia, por exemplo, a incapacidade de reconhecer a ameaça dos smartphones levou à perda de sua liderança no mercado de telefonia. Líderes devem combater essa cultura promovendo um ambiente onde questionamentos são bem-vindos e erros são vistos como oportunidades de aprendizado.

A estupidez funcional é a tendência de organizações suprimirem questionamentos críticos em favor da conformidade.

Atividade Prática: Estabeleça canais de comunicação anônima para que funcionários possam relatar preocupações sem medo de retaliação. Além disso, implemente revisões pós-incidente para analisar falhas e prevenir recorrências.

Organizações de Alta Confiabilidade

Robson destaca as organizações de alta confiabilidade (HROs), como a indústria nuclear pós-Chernobyl, que adotam práticas como atenção plena coletiva e aprendizado com quase-acidentes. Líderes corporativos podem aplicar esses princípios incentivando a vigilância constante, a análise de pequenos erros e a adaptação rápida a mudanças no ambiente.

Atividade Prática: Realize simulações de crise regulares para preparar a equipe para cenários inesperados. Essas simulações ajudam a identificar pontos fracos nos processos e a desenvolver resiliência organizacional.

Tornando-se um Líder Mais Sábio

A mensagem central de Por que Pessoas Inteligentes Cometem Erros Idiotas? é clara: a inteligência é uma ferramenta poderosa, mas, sem as qualidades certas, pode levar a decisões desastrosas. Para líderes corporativos, isso significa ir além do QI e cultivar habilidades como reflexo cognitivo, humildade intelectual, mindset de crescimento e capacidade de combater desinformação. Além disso, líderes devem fomentar equipes colaborativas e organizações que aprendem com erros, em vez de suprimi-los.

“Não basta ter uma mente boa; o mais importante é saber usá-la da maneira correta”. René Descartes

Ao adotar essas práticas, líderes não apenas evitam a armadilha da inteligência, mas também criam ambientes onde a sabedoria coletiva prospera. Como disse René Descartes, citado por Robson, “não basta ter uma mente boa; o mais importante é saber usá-la da maneira correta”. No mundo corporativo, onde as decisões impactam equipes, clientes e resultados financeiros, essa sabedoria é mais do que uma vantagem — é uma necessidade.

Referências

Por que pessoas inteligentes cometem erros idiotas?: O que a Nasa, Thomas Edison, Benjamin Franklin e Daniel Kahneman nos ensinam sobre como tomar boas decisões Capa comum – Edição padrão, 14 julho 2021. 336 p. Editora Sextante.

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