Do VUCA ao BANI – Uma nova forma de interpretar as mudanças.

Fernando Neves, Ph.D.

O ano de 2020 será sempre lembrado como um marco na história. Seria difícil apostar que haveria uma mudança de comportamento tão drástica não somente na rotina das pessoas, mas também na economia, política e na forma de fazer negócios. Não podemos dizer que ninguém esperava algo dessa natureza, mas o mundo não estava e ainda não está preparado para o caos que foi instaurado. O fato é que após a tempestade vem a bonança, mas o mundo mudou de tal forma que até mesmo a esperança de ventos favoráveis coloca em dúvida até quando os impactos da pandemia irá nos acompanhar.

Vivemos uma era de desastres climáticos, disrupção tecnológica e caos político, que fogem a qualquer estabilidade.

Para o escritor e consultor Jamais Cascio, nós entramos na era do caos. Os efeitos da pandemia são percebidos de imediato porque causa uma mudança instantânea e até por força de lei, dado o risco iminente. No entanto, vivemos em uma era de desastres climáticos, disrupção tecnológica e caos  político, que fogem a qualquer estabilidade. Os métodos até então desenvolvidos para fazer previsões, de repente se tornaram obsoletos. O acróstico VUCA nos é familiar para descrever o mundo como volátil, incerto, complexo e ambíguo, mas também já está ficando obsoleto. A primeira vez que se cunhou este termo data do final da  década de 1980 e teve origem no  US Army College. Foi bastante disseminado para a liderança militar americana nos anos 1990 e começou a fazer parte do mundo dos negócios no início dos anos 2000.

Do VUCA ao BANI

O Dr. Cascio cunhou um novo acróstico em substituição ao VUCA. Para ele, nós vivemos em um mundo BANI (Brittle, Anxious, Nonlinear, Incomprehensible) que é o acróstico em inglês de  frágil, ansioso, não linear e incompreensível. O mundo em que vivemos não é apenas volátil, como o líquido que muda de fase rapidamente alterando suas propriedades, mas ainda mantendo sua essência. Agora, vivemos a fragilidade de um mundo que chegou no limite da resiliência e se fragiliza. Se a volatilidade representa as mudanças constantes, a fragilidade representa o rompimento de um modelo em favor de outro. Modelos como Uber, Fintecs e Airbnb são exemplos de rompimento de modelos até então considerados sólidos, mas que de repente encontram-se em uma realidade alternativa em que as regras do jogo são totalmente diferentes. Algo que é frágil está sujeito a uma falha repentina e catastrófica. A pandemia do COVID-19 apenas acelerou mudanças que estavam na iminência se mudarem velhos paradigmas. 

Frágil (Brittle)

Algo que é frágil não rompe aos poucos, mas repentinamente. A fragilidade surge de esforços para maximizar a eficiência até extrair a última gota de valor de um sistema sem deixar margem para manobras. Então, de repente uma mudança drástica de paradigma rompe o velho modelo. A fragilidade é mais danosa que a volatilidade porque algo que é volátil, muda rapidamente e a resposta é responder e adaptar rápido, mas a fragilidade quebra o negócio, destrói ou substitui completamente o modelo sem a possibilidade de regressar à antiga versão ou fazer reboot.

Ansiedade (Anxious)

Se o mundo VUCA é incerto e demanda vários cenários como modelo, no mundo BANI a quantidade de variáveis, a velocidade da mudança, o excesso de informação e de dados faz com que precisemos tratá-lo de outra forma. O cérebro humano já não é capaz de solucionar e precisa aderir à inteligência artificial. A perda do controle causa ansiedade em perceber que qualquer decisão pode ser potencialmente desastrosa.

Não é incomum líderes ansiosos serem acometidos de depressão ou burnout. É preciso desaprender o que sabemos para aprendermos a usar a tecnologia a nosso favor, mas não apenas isso. É preciso mais do que nunca conectarmos nossos cérebros, passarmos da competição para a cooperação, além de sermos capazes de transformar dados em ativos. A disseminação de fake news é uma tentativa de evitar o rompimento do modelo, criando um falso controle da situação. O populismo, a imposição de valores individuais ou até mesmo coletivos ferem valores individuais e contribuem para um mundo de líderes ansiosos, mas sem ação efetiva. É preciso ter consciência que já não temos mais o controle da situação e talvez nunca o tivemos de fato.

Não-Linear (Nonlinear)

A complexidade do mundo VUCA dá lugar à não linearidade do mundo BANI. Estamos acostumados com causa e efeito que são atributos de um mundo linear, embora complexo. Com várias causas e efeitos que se entrelaçam e se influenciam de forma mútua, o ambiente não-linear está mais próximo de ser descrito como efeito borboleta em que  as causas e os efeitos parecem estar desconectados ou serem totalmente desproporcionais a ponto de inviabilizar qualquer conclusão com alta probabilidade de certeza. Pequenas decisões podem resultar em consequências massivas que podem ser boas ou más, enquanto grandes investimentos de tempo e recursos podem simplesmente não trazer benefícios de forma proporcional. Não é de se estranhar que pequenas startups que crescem exponencialmente são chamadas de unicórnios, porque não parecem fazer parte da realidade. 

“Até mesmo os big data podem ser contraproducentes, sobrecarregando nossa capacidade de entender o mundo dificultando a distinção entre sinal e ruído”

Jamais Cascio

Incompreensível ( Inconprehensible)

Finalmente a ambiguidade do mundo VUCA dá lugar à incompreensão do mundo BANI. Em um mundo ambíguo devemos estar preparados para dar diferentes respostas a um mesmo problema, ou moldar a solução de acordo com as premissas do cliente, ou ainda estar preparados para receber a aceitação de nosso produto por um público e a rejeição por outro. Já não conseguimos ter todas as respostas e em algumas situações não temos resposta alguma. Não é mais incomum testemunharmos eventos ou decisões  sem lógica, sem sentido ou absurdas.

Por que não nos preparamos para uma pandemia antes, se é algo que já aconteceu antes? Por que não diminuir as emissões se sabemos que os efeitos no clima são irreversíveis? Além disso, informações adicionais não são garantia de melhor compreensão. “Até mesmo os big data podem ser contraproducentes, sobrecarregando nossa capacidade de entender o mundo dificultando a distinção entre sinal e ruído” (Jamais Cascio). O excesso e sobrecarga de informação somados às informações falsas amplamente divulgadas são efeitos da incompreensão de nossa realidade.

Se o sapo percebesse que a água ao seu redor estava aumentando não teria morrido cozido.

Lentes para a nova realidade

O cenário pode parecer apocalíptico, mas o conceito BANI funciona como lentes para percebermos melhor nossa realidade, para que possamos pensar diferente e consequentemente agir de forma diferente. Se o sapo percebesse que a água ao seu redor estava aumentando não teria morrido cozido. Cascio, autor do conceito, sugere que cada componente da sigla deve nos levar a oportunidades de resposta. Assim,  a fragilidade pode ser o indutor para sermos mais resilientes e estabelecermos limites, assim como na engenharia os materiais são dimensionados com folga.

A resposta à ansiedade pode ser a empatia e atenção plena às pessoas. A  não-linearidade nos faz refletir sobre o conceito de flexibilidade, abrindo os nossos olhos para soluções que aparentemente não fazem sentido algum. A incompreensibilidade nos conduz à transparência e à intuição sem contudo deixar de analisar os dados que não compreendemos. 

Quando Einstein se deparou com os paradoxos de sua teoria precisou ter consciência que somente olhar para os dados não o levaria a nenhuma conclusão lógica. Apenas quando teve a coragem de nadar contra a corrente apresentando conceitos contra-intuitivos para o velho paradigma que moviam os cientistas de sua época, foi que conseguiu propor uma nova forma de ver o mundo. A partir daí, precisou usar os dados a seu favor. O conceito BANI não significa romper completamente com nossos conceitos e valores, mas nos ajuda a sermos capazes de olhar o mundo por uma óptica diferente para que possamos solucionar os problemas em um outro nível.

Algo massivo e potencialmente opressor está ocorrendo em todos os nossos sistemas. Seja nas redes globais de comunicação, na forma de fazer negócios ou nas conexões pessoais. Todos estes sistemas estão em constante mudança e não nos  é possível prever o que o futuro nos trará. Não se trata apenas de tecnologia, mas de comportamento, liderança e humanidade. 

Referências:

Facing the age of chaos, Jamais Cascio – Institute for the Future – https://medium.com

Posts Relacionados