Computação Quântica: Será esta a nova Revolução Tecnológica?

Fernando Neves, Ph.D.

Em tempos de chatbots inteligentes que respondem a qualquer pergunta em qualquer área do conhecimento, produzem códigos de programação, resolvem problemas de engenharia, criam roteiros de vídeos e ainda de quebra agem como meu psicólogo pessoal, eu me pergunto: O que mais falta ser inventado? O futuro dos Jetson chegou, mas qual é o futuro que nos espera agora? Não sei o quanto você, leitor, está atualizado com as novas tecnologias, mas sim, o computador quântico já é uma realidade que vai novamente chacoalhar nossas vidas. Em questão de décadas teremos acesso a serviços gerados por computação quântica.

Com os benefícios da tecnologia teremos a possibilidade de benefícios em diversas áreas: cura de doenças, desenvolvimento de novos medicamentos e quem sabe uma solução para o aquecimento global. É claro que nem tudo são flores, e problemas com segurança cibern´ética nos esperam, já que um algoritmo quântico será capaz de quebrar qualquer código de segurança. Ou seja, tudo que se refere a senhas, encriptação e blockchain terá de ser repensado e redesenhado.

Da Revolução Industrial ao Computador Quântico

Vivemos hoje na chamada quarta revolução industrial. A primeira foi logo após a invenção da máquina a vapor, então veio a eletricidade e entramos na segunda onda da revolução industrial. Os computadores digitais e a internet nos levaram à terceira, também chamada de era da informação. Hoje com a computação em nuvem, internet das coisas, digitalização, impressoras 3-D e mais recentemente com a inteligência artificial vivemos a quarta revolução.

Se pensarmos na história da computação, podemos dividi-la em duas grandes eras: a da computação analógica e a computação digital. A era analógica é ainda mais antiga. No ano de 1901, um grupo de mergulhadores se deparou com os destroços de um navio antigo ao largo da costa de Antikythera, na Grécia. Entre os destroços jazia uma curiosa variedade de artefatos, mas uma peça em particular se destacava. Era uma intrincada montagem de engrenagens, rodas e mostradores que desafiava as expectativas da época. Datada de aproximadamente 2.000 anos atrás, essa engenhoca ostentava os traços de um sofisticado computador analógico, muito à frente de seu tempo. O mundo ficou cativado por essa descoberta, pois ela revelava um vislumbre tentador das conquistas intelectuais das civilizações antigas.

Apelidado de Mecanismo de Antikythera, esse prodígio da antiguidade era uma homenagem à engenhosidade humana. Era um dispositivo capaz de prever os movimentos de corpos celestes, desde as órbitas dos planetas até quando aconteceriam eclipses. Em essência, era uma máquina que estabelecia uma ponte entre a curiosidade humana e o cálculo científico. Criado por artesãos e astrônomos mestres da era helenística, o Mecanismo incorporava uma compreensão profunda do cosmos. Era uma fusão intricada de arte e ciência, um testemunho da busca incansável das civilizações antigas pelo conhecimento.

Computadores

O termo “computador” que utilizamos hoje foi cunhado pela primeira vez no século XVII. Em 1613, o matemático escocês John Napier usou a palavra “logarithmorum” para se referir a um dispositivo que ele havia inventado para simplificar cálculos matemáticos complexos, como multiplicação e divisão. Esse dispositivo consistia em uma série de hastes com números inscritos, que permitiam a realização de cálculos através de processos mecânicos. Embora o termo “computador” não tenha sido usado exatamente nesse contexto, a invenção de Napier é considerada um dos primeiros exemplos de um dispositivo que realizava cálculos de forma automatizada.

Máquina de Turing

Com o advento da eletricidade e logo em seguida da eletrônica, o termo “computador” passou a ser amplamente utilizado para se referir a máquinas eletrônicas de processamento de dados. Durante a Segunda Guerra Mundial, as primeiras máquinas digitais programáveis foram desenvolvidas para ajudar nas atividades de criptografia e cálculos balísticos. Nesse contexto, o termo “computador” começou a ser adotado para descrever essas máquinas que realizavam cálculos complexos de forma automatizada.

A vitória dos aliados teve importante ajuda da computação com o algoritmo desenvolvido por Alan Turing que permitiu quebrar a criptografia dos alemães, dando-lhes considerável vantagem e levando-os à vitória.

A Evolução dos Computadores Modernos

A transição para os computadores eletrônicos modernos, como os que conhecemos hoje, aconteceu ao longo das décadas de 1940 e 1950, com o desenvolvimento de máquinas como o ENIAC (Electronic Numerical Integrator and Computer) e o UNIVAC (Universal Automatic Computer). Com a invenção do transistor foi possível miniaturizar os componentes eletrônicos a ponto de hoje carregarmos no bolso um processador mais poderoso que os primeiros mainframes.

Para se ter uma ideia, o Eniac trabalhava com velocidades de 1 kHz, enquanto celulares modernos trabalham na faixa de 1 a 3 GHz, ou seja milhões de vezes mais rápidos. O armazenamento dos primeiros mainframes era de alguns kBytes, enquato hoje falamos em Tera bytes, ou seja, hoje armazenamos trilhões de vezes mais, já que 1 terabyte é aproximadamente um trilhão de bytes.

O Fim da Lei de Moore

A redução dos componentes eletrônicos diminuía enquanto a velocidade dos computadores aumentava, seguindo a famosa Lei de Moore, que prevê que o poder de computação dobra a cada 18 meses, ou seja, um crescimento exponencial. A Lei de Moore já está desacelerando e pode eventualmente chegar ao fim. Isso ocorre porque os microchips são tão compactos que a camada mais fina de transistores tem cerca de vinte átomos de largura. Quando eles atingem cerca de cinco átomos de largura, a localização do elétron se torna incerta, e eles podem vazar e causar curto-circuito no chip ou gerar tanto calor que os chips derretem. Em outras palavras, pelas leis da física, a Lei de Moore deve eventualmente colapsar se continuarmos a usar principalmente silício.

De acordo com artigo publicado pela Revista Nature, o menor transístor fabricado, ainda na forma experimental, possui apenas três átomos de espessura. Isso significa que estamos chegando no limite do tamanho dos componentes e consequentemente está decretada o fim da era do silício.

Mas qual ser´á então a próxima era? Exatamente o que você pensou, prezado leitor: a era da computação quântica, onde os componentes eletrônicos serão formados por átomos. Ocorre porém, que no nível subatômico, a física macroscópica não funciona, então é necessário lançar mão da física quântica e suas esquisitices.

Supremacia Quântica

Em 2019 o Google anunciou que havia alcançado a supremacia quântica, o ponto lendário em que um tipo radicalmente novo de computador, chamado de computador quântico, poderia superar decisivamente um supercomputador digital comum em tarefas específicas. O Google revelou que seu computador quântico Sycamore poderia resolver um problema matemático em 200 segundos, algo que levaria 10.000 anos no supercomputador mais rápido do mundo. De acordo com a MIT Technology Review.

O termo Supremacia Quântica foi definido pela primeira vez em 2012 pelo físico John Preskill do Instituto de Tecnologia da Califórnia. Naquela ocasião, muitos cientistas balançaram a cabeça, considerando que Levaria décadas, se não séculos, pensavam eles, antes que os computadores quânticos pudessem superar um computador digital.

Em 2020 foi a vez da IBM apresentar seu computador quântico batizado de Eagle. Atualmente Google, Microsoft, Intel, IBM, Rigetti e Honeywell estão todos construindo protótipos de computadores quânticos. Os líderes do Vale do Silício percebem que devem acompanhar essa revolução ou ficar para trás. Atualmente (em 2023) a IBM lançou seu o substituto do Eagle, o Osprey que conta com 433 Qbits, mais de 3 vezes em relação aos 127 Qbits do Eagle. A empresa já divulgou que trabalha em um hardware ainda mais poderoso, o Condor com cerca de 1000 Qbits.

Os chineses não ficam atrás e gastaram US$ 10 bilhões em seu Laboratório Nacional de Ciências da Informação Quântica, porque estão determinados a ser líderes nesse campo vital e em rápido movimento.

O Perigo

Armado com um computador quântico, um hacker poderia, em princípio, invadir qualquer computador digital no planeta, perturbando assim indústrias e até mesmo as forças armadas. Todas as informações sensíveis podem se tornar disponíveis causando prejuízos incalculáveis. Os mercados financeiros também poderão ser abalados pelos computadores quânticos que invadem o santuário interno de Wall Street.

Além disso, esses computadores também podem quebrar o blockchain, criando turbulência no mercado de bitcoin ou áreas que adotam a tecnologia. A Deloitte estimou que cerca de 25% dos bitcoins são potencialmente vulneráveis a ataques de hackers por um computador quântico.

Acesso via Internet

IBM, Honeywell e a Rigetti Computing colocaram seus computadores quânticos de primeira geração na internet para aguçar o apetite de um público curioso, para que as pessoas possam ter sua primeira exposição direta à computação quântica.

O acesso a estes computadores protótipos só é possível via nuvem, já que para funcionar precisar ser refrigerados até próximo do zero absoluto, ou seja, -273,15 K. A razão para isso é que a baixas temperaturas e em um ambiente totalmente isolado as oscilações são minimizadas.

No nível quântico ocorre um fenômeno conhecido como superposição quântica, que permite que um quantum, como um átomo ou partícula, exista em diferentes estados ao mesmo tempo. Essa característica é crucial para a capacidade dos computadores quânticos de realizar múltiplos cálculos simultaneamente. No entanto, a superposição é muito delicada e facilmente perturbada por qualquer interação com o ambiente.

Quando a temperatura é elevada, as partículas que compõem o computador quântico tendem a se mover e colidir mais energeticamente, o que interfere na estabilidade da superposição. Ao resfriar o computador quântico até temperaturas próximas do zero absoluto (aproximadamente -273,15 graus Celsius), os movimentos das partículas diminuem consideravelmente, reduzindo as perturbações quânticas indesejadas.

Bits e Qbits

Se computadores convencionais trabalham com bits, os computadores quânticos trabalham com bits quânticos (Quantum bits) ou Qbits. Os bits são as informações básicas dos computadores e são computados com sequências de 0 e 1. Mas você já se perguntou por quê? Bem, a explicação é que zero é o estado desligado em que não passa corrente elétrica enquanto um é o estado ligado, onde há o fluxo de corrente elétrica. É por isso que a lógica dos computadores é binária e não decimal.

O físico Michio Kaku, autor do livro Supremacia Quântica, diz que a natureza não trabalha com zeros e uns. Ele exemplifica usando a fotossíntese e diz que em nenhum lugar vemos zeros e uns digitais. Quando você sai e vê flores, folhas, florestas, o que são elas? De acordo com ele são computadores quânticos. Elas convertem a luz solar por meio da fotossíntese em açúcares, ao combinar dióxido de carbono com a luz para criar açúcares e oxigênio, que você respira. As plantas fazem isso. Em outras palavras, as plantas são, de certa forma, computadores quânticos.

Richard Feynman disse que temos que construir um computador quântico, que opere em átomos e não em zeros e uns. Essa não é a linguagem da natureza. Os elétrons em níveis quânticos não se comportam como partículas, mas como ondas de elétrons abrindo infinitas possibilidades e assumindo qualquer valor entre 0 e 1. Em nível quântico podemos dizer que tanto “0” quanto “1” coexistem, então enquanto um bit assume valores 0 e 1, um qbit assume valores 0, 1, e 0 e 1 simultaneamente.

A Consequência

Mas qual a consequência disso? Deixe-me explicar. Digamos que eu coloque um rato em um labirinto e peça a um computador digital para calcular a probabilidade de um rato atravessar um labirinto. Bem, isso dá muito trabalho. Cada vez que o rato atinge um canto, o caminho se divide pela metade. Cada vez que o caminho continua, atinge outro canto. Assim, o caminho é dividido constantemente quando o rato vai do canto superior esquerdo para o canto inferior direito. Portanto, quando você calcula a probabilidade do rato atravessar o labirinto, conclui que há um gasto excessivo de energia. Cada caminho deve ser testado para responder qual ou quais levam à saída. E quantos caminhos existem? Digamos que haja 100 caminhos possíveis. Então cada um deles é percorrido pelo rato. É desta forma que um computador digital funciona. Assim também funciona o seu laptop. Agora, como funciona um computador quântico? Ele analisa simultaneamente todos os movimentos possíveis, calculando tudo de uma só vez, instantaneamente.

Aplicações de um Computador Quântico

Mas afinal, pra que serve um computador quântico, além de quebrar códigos e senhas? Bem, as potenciais aplicações dos computadores quânticos abrangem uma ampla variedade de campos, cada um com a promessa de avanços revolucionários que poderiam remodelar indústrias e nossa compreensão do universo. A seguir listamos alguns deles.

Mecanismos de Busca: No passado, a riqueza era medida em termos de petróleo ou ouro. Hoje, os dados são o novo tesouro. No entanto, a análise massiva de dados pode sobrecarregar os computadores digitais convencionais. É aí que entram os computadores quânticos, capazes de encontrar a agulha no palheiro. Eles podem analisar as finanças de uma empresa para isolar os fatores que a impedem de crescer, como a JPMorgan Chase fez em parceria com a IBM e a Honeywell.

Otimização: Depois de identificar os fatores-chave nos dados, a próxima pergunta é como ajustá-los para maximizar certos resultados, como o lucro. Grandes corporações, universidades e agências governamentais podem usar computadores quânticos para minimizar despesas e maximizar eficiência. Essa otimização pode variar de previsões financeiras complexas a previsões de mercados financeiros.

Simulação: Computadores quânticos têm o potencial de resolver equações complexas que estão além da capacidade dos computadores digitais. Eles podem simular processos químicos vitais, como reações químicas e simular a dinâmica molecular, abrindo portas para avanços na engenharia, previsão do clima e pesquisa médica.

Fusão de IA e Computadores Quânticos: A inteligência artificial (IA) tem seu próprio papel a desempenhar, mas também pode ser sobrecarregada pelo volume de dados. A união da IA com os computadores quânticos aumenta a capacidade de solucionar uma variedade de problemas. Isso inclui a capacidade de treinar modelos de aprendizado de máquina mais rápidos e eficientes, levando a avanços em reconhecimento de padrões, processamento de linguagem natural e tomada de decisão automatizada.

Aprendizado de Máquina: Ainda no campo da Inteligência Artificial, estes computadores também podem acelerar algoritmos de aprendizado de máquina, oferecendo capacidades aprimoradas de reconhecimento de padrões e análise de dados.

Logística e Transporte: Otimizar rotas de transporte, logística de distribuição e programação de viagens é um desafio complexo que os computadores quânticos podem abordar. Eles podem analisar diversas variáveis em tempo real e encontrar as soluções mais eficientes para problemas logísticos.

Descoberta de Medicamentos: A computação quântica pode simular interações moleculares e estados quânticos de maneira mais precisa do que os computadores clássicos, revolucionando a descoberta de medicamentos e o design de materiais, acelerando o processo de identificação de novos compostos e suas propriedades.

Biologia e Medicina: Os computadores quânticos podem auxiliar na simulação de reações químicas complexas, permitindo uma compreensão mais profunda dos processos biológicos e moleculares. Isso pode levar a avanços na pesquisa de medicamentos, no design de enzimas e na modelagem de sistemas biológicos.

Descoberta de Materiais Avançados: Além da descoberta de medicamentos, os computadores quânticos podem acelerar a identificação e o design de materiais avançados, como supercondutores, semicondutores mais eficientes e materiais para armazenamento de energia.

Projeto de Catalisadores: Podem auxiliar na concepção de catalisadores mais eficazes para reações químicas, acelerando o desenvolvimento de processos industriais mais sustentáveis e eficientes.

Modelagem Climática e Simulações Quânticas: A complexidade dos modelos climáticos e das simulações pode ser desvendada pelos computadores quânticos, permitindo previsões precisas dos impactos das mudanças climáticas e oferecendo insights sobre as interações moleculares que subjazem aos processos físicos fundamentais.

Previsão de Terremotos e Sismos: A simulação de fenômenos sísmicos e a modelagem do comportamento das placas tectônicas são desafios complexos que os computadores quânticos podem ajudar a abordar. Isso poderia levar a avanços na previsão de terremotos e na compreensão das causas subjacentes.

Criptografia e Segurança Cibernética: Como já dissemos anteriormente, os computadores quânticos têm o potencial de quebrar métodos de criptografia que protegem informações sensíveis na era digital atual. O algoritmo de Shor, um algoritmo quântico, pode fatorar números grandes de maneira exponencialmente mais rápida do que algoritmos clássicos, representando um desafio aos protocolos de criptografia atuais.

Segurança de Redes e Detecção de Fraudes: Além de quebrar criptografia, os computadores quânticos podem ajudar a fortalecer a segurança cibernética, detectando padrões complexos em grandes conjuntos de dados para identificar atividades suspeitas e prevenir fraudes.

Finanças e Mercados: Na área financeira, os computadores quânticos podem otimizar portfólios de investimentos, avaliar riscos e simular cenários econômicos complexos com maior precisão. Isso pode levar a estratégias de negociação mais eficazes e à previsão mais precisa de tendências do mercado.

Simulações de Partículas e Física Fundamental: Podem contribuir para simulações mais precisas de interações de partículas subatômicas, auxiliando na pesquisa em física de partículas e na compreensão dos mistérios do universo.

Essas são apenas algumas das muitas aplicações potenciais dos computadores quânticos, e à medida que a tecnologia avança, é provável que novas áreas de impacto surjam, transformando nossa maneira de abordar desafios científicos, industriais e tecnológicos.

Para Saber Mais

Quantum Supremacy: How the Quantum Computer Revolution Will Change Everything (English Edition). Livro – Michio Kaku

Quantum Computing for Dummies Capa comum – 20 setembro 2023

Michio Kaku | Quantum Supremacy | Talks at Google

The promise of quantum computers | Matt Langione

What will quantum computers be made of? | John Morton | TEDxYouth@RadleyCollege