Como ser um líder inclusivo

Fernando Neves, Ph.D.

Após um dia cheio de atividades na empresa Reinaldo convidou o time para um jantar de boas vindas aos visitantes estrangeiros que vieram para o startup do projeto de uma nova máquina na filial do Brasil. Cada um tomou seu lugar na churrascaria quando um dos visitantes solicitou ao garçom em inglês:— Por gentileza, gostaria de um prato vegetariano pode me ver o cardápio? A pergunta causou um impacto em todo o grupo. Como assim? A gente vem na churrascaria e o cara quer comer vegetal? O garçom gentilmente comentou que eles não tinham pratos vegetarianos porque o restaurante era especializado em carnes, mas que ele poderia servir-se do bufê de saladas. O anfitrião então percebeu a gafe que tinha cometido ao não perguntar aos convidados que tipo de alimentação eles preferiam. Desculpou-se então dizendo:— Desculpe-me, amigo. Não sabia que vocês não comiam carne. Ao que ele respondeu:— Sim, na Índia a maioria das pessoas não consome por questões culturais e religiosas.

Este exemplo pode parecer ridículo, mas o número de pessoas em cargos de liderança nas empresas que não atentam às questões culturais  não é pequena. No entanto, não são apenas questões culturais que devem ser tratadas com atenção. Discriminação racial,  religiosa, de gênero,  de orientação sexual, por condição física, além de discussões de cunho  político ou qualquer manifestação polêmica precisam da devida atrenção da liderança. Felizmente há um movimento forte dentro das empresas que tem forçado as pessoas a olharem mais atentamente para esses temas. As grandes corporações têm estabelecido políticas neste sentido e a ordem do dia é inclusão. 

No caso de Reinaldo, talvez não tenha sido intencional, mas de falta conhecimento ou até mesmo a falta do posicionamento da empresa em relação ao assunto. Em um mundo globalizado este tipo de deslize é inaceitável.  Além de colocar em risco os negócios, pode até  configurar crime. As pessoas possuem culturas diferentes, posições diferentes, religiões diferentes, mas isso não lhes dá o direito de impor suas convicções pessoais de forma a ferir outro. Mas é papel da empresa tratar destes temas? Até que ponto as convicções pessoas de seus colaboradores deve consumir tempo e recursos? Por que a liderança precisa estar preparada para eles? Apesar de ser um tema de grande importância, nunca foi tratado com tanta seriedade como o é hoje. 

O impacto

Do ponto de vista do negócio, a discriminação destrói a confiança dos times, afeta a relação com clientes e fornecedores, além de causar impactos expressivos na produtividade e por que não dizer na qualidade do serviço. Pense em uma pessoa trabalhando na linha de produção que acabou de ser tratada com indiferença ou foi alvo de piadinhas racistas. Há um risco real de acidente ou perda de foco na atividade. Afinal de contas, somos humanos e  é impossível controlarmos nossas emoções quando somos tratados desta maneira. Do ponto de vista legal e de “compliance”, é dever da empresa garantir um ambiente de trabalho agradável onde há respeito mútuo e  seguro. Então é inadmissível este tipo de comportamento seja dentro ou fora da empresa. É preciso entender que nosso comportamento fora das paredes da empresa continuam a mostrar quem somos e como agimos. Um post racista, por exemplo,  é crime e pode ser usado como evidência para demissão por justa causa. O mesmo se aplica a qualquer outro tipo de discriminação.

Qual deve ser então a atitude do líder frente a este tipo de comportamento? Em primeiro lugar, é preciso fazer uma auto-avaliação porque mesmo que não queiramos admitir, trazemos nossas próprias convicções e nosso comportamento reflete a nossa cultura. Antes de tratar o tema com os subordinados ou estabelecer amplas políticas dentro das companhias, é preciso que a liderança confronte suas próprias convicções. Somente após um trabalho focado com a liderança é possível abrir o diálogo entre grupos.

Quando não há uma cultura de inclusão dentro da empresa, a solução pode ser a denúncia anônima. Ela não resolve o problema, mas é um primeiro passo para que fique claro para as pessoas qual é o comportamento esperado. O segundo passo é educar e conscientizar as pessoas através de palestras, discussões, workshops, enfim, qualquer ferramenta que faça as pessoas refletirem e se colocarem na pele de quem está sendo discriminado.

6 passos para conversas inclusivas

Mary-Frances trata desses temas em seus livros “ We can’t talk about that at work” e “inclusive conversations” propõe seis passos para conversas inclusivas: 

1. Promover a auto-reflexão e entender o outro. Por que acredito no que acredito?E por que as convicções de outros são diferentes das minhas?

 2. avaliar a receptividade e prontidão individual, da equipe e da organização. Discussões polarizadoras não levarão a lugar algum se você mesmo não for capaz de olhar o mundo pelas lentes de outra pessoa. 

3. Preparar para a conversa, o que envolve perguntar quem, o quê, quando, onde, como e por que você está conduzindo esta conversa. 

4. Estabelecer o senso comum, colocando todos na mesma página e criar um significado compartilhado sobre o tema. Em que cada um acredita? Quais as intercessões? Há pontos compartilhados? Estabeleça o respeito mútuo.

 5. Uma vez consolidado o passo quatro, é possível começar a explorar perspectivas divergentes e então é possível engajar o time de forma mais profunda, levando as pessoas a se colocarem no lugar das outras e a sentirem o que os outros sentem ao serem hostilizados, menosprezados ou discriminados.

6. O último passo é então  buscar criar pontes entre as divergências.

Este modelo não precisa ser linear, nem tampouco é para ser aplicado em uma única conversa, mas faz parte de um processo que dependendo do caso pode ser lento. Se aplicado com disciplina e paciência, no entanto, é libertador. Ser inclusivo não se trata de mudar valores ou a cultura de cada indivíduo, mas de criar um ambiente de respeito e aceitação.

Ninguém está sendo obrigado a deixar de seguir suas próprias regras e convicções, mas  aceitar e respeitar  o outro é dever de todos. Garantir um ambiente de trabalho seguro e saudável onde as pessoas se respeitam e se aceitam  faz sim parte do papel das empresas.

Referências

We can’t Talk about that at work. Mary-Frances Winter.

Inclusive Conversations. Mary-Frances Winter.