Inteligência artificial afeta menos as pessoas criativas

Texto: Fernando Neves, Ph.D. Imagem : Pixabay (RawPixel)

A música da sinfonia começava a entrar pelos meus ouvidos de forma suave, mas à medida que eu não me movia tentando ainda aproveitar mais alguns minutos do meu sono, acordes dissonantes me impediam de voltar a dormir. A assistente virtual percebia minha preguiça e automaticamente ajustava o volume da música para que eu definitivamente despertasse e passasse  as primeiras ordens do dia. Sem muita opção e já com a luminosidade do quarto começando a me incomodar me rendo e dou bom dia à assistente que já havia ajustado a temperatura do chuveiro e já dava pra sentir o cheiro do pão fresquinho na assadeira que havia sido programada por ela, minha fiel assistente que comanda minha casa, minha agenda e em minutos me conectaria com a produção da fábrica e iria me sugerir alguns investimentos, porque a decisão final, claro, é sempre minha.

Sentiu-se assistindo um episódio de Black Mirror? Por mais que queiramos crer que este futuro é algo distante de nós, já não podemos. O avanço tecnológico trouxe o futuro pra bem pertinho. Cada vez mais o impacto da evolução tecnológica nos afeta. A grande questão é: Quais as habilidades eu devo desenvolver para não ser engolido pela nova economia?

O que acontecerá com os empregos na nova economia?

Em função dos avanços da inteligência artificial e da revolução industrial 4.0, novas habilidades serão essenciais. Com as máquinas fazendo cada vez mais o trabalho repetitivo e agora tomando decisões com base em algoritmos e big data, nós humanos precisamos focar em habilidades ainda não executadas pela máquina ou  aquelas habilidades em que ainda somos melhores do que ela.

No ano de 2016 o Fórum econômico mundial publicou o documento “The Future of jobs: Employment, Skills and Workforce Strategy for the Fourth Industrial Revolution” que faz provocações frente às mudanças disruptivas relacionadas aos desenvolvimentos em áreas como genética, inteligência artificial, robótica, nanotecnologia, impressão 3D, biotecnologia, apenas para nomear algumas, mas esta lista de áreas com desenvolvimento disruptivo pode ser ainda mais extensa. O que se busca com esta provocação é evitar o pior cenário com altos desempregos de um lado e falta de profissionais qualificados de outro, sem falar do aumento das desigualdades.

Estima-se que 65% das crianças que estão entrando na escola agora irão trabalhar em profissões ou atividades que ainda não existem.

As profissões  ou especialidades mais demandadas da atualidade não existiam há dez anos e estima-se que 65% das crianças que estão entrando na escola agora irão trabalhar em profissões ou atividades que ainda não existem. É fato que o avanço tecnológico trouxe novas oportunidades e mudanças demográficas refletindo em aumento da prosperidade, no entanto, isso não significa que estas transições não tiveram riscos. Espera-se que novas oportunidades surjam, mas o desaparecimento de atividades ou até de negócios inteiros é inerente à mudança para o novo paradigma. Não faz muito tempo, alugávamos filmes em fitas e era preciso rebobiná-las antes de devolvê-las à locadora, além da necessidade de  entregá-las no prazo sob pena de multa. Quantas locadoras existem hoje? Mesmo com o advento do Blue-Ray elas não sobreviveram ao aluguel por streaming ou assinaturas de conteúdo.

Quais habilidades serão necessárias?

Mas quais serão então as habilidades que serão necessárias para este novo ambiente? Na verdade muitas delas ainda não existem, mas o estudo do Fórum Econômico de 2016 nos traz algumas pistas. Se em 2015 as habilidades Top 5 eram: eram 1) Solução de problemas complexos, 2) trabalho em equipe, 3) gestão de pessoas, 4) pensamento crítico e 5) negociação. Já para 2020, há uma inversão, mas mantendo ainda a principal habilidade de  solucionar problemas complexos, pensamento crítico subindo para a segunda posição e criatividade que em 2015 estava em décimo aparece agora em terceiro lugar. Gestão de pessoas e trabalho em equipe continuam sendo habilidades cada vez mais importantes mantendo o quarto e quinto lugares respectivamente.

Estes dados nos mostram que mesmo em um futuro próximo, já há uma tendência de que habilidades de gestão humana são as demandas crescentes. Em um ambiente com excesso de informação o pensamento crítico e a criatividade ganham espaço. Outro destaque importante vai para inteligência emocional que não aparece nas habilidades em 2016 e é listada na sexta posição para habilidades em 2020.

Para atender esta demanda é preciso uma reflexão sobre o sistema educacional que está organizado em silos, desenhado para profissões do passado e desconectado com estas mudanças. Não basta conhecimento técnico, é preciso uma dose generosa de inter relação pessoal. É preciso permear diferentes áreas do conhecimento para conectar e criar as novas profissões que virão. Conhecimentos de medicina e engenharia são exemplos deste tipo de interdisciplinaridade, mas o que dizer de conectar estas tecnologias médicas em nuvem, ou desenvolver cada vez mais robôs cirúrgicos que utilizam machine learning para aperfeiçoar-se a cada cirurgia feita? Ao mesmo tempo que a máquina desempenha atividades melhor que os humanos, é necessário que se discuta nas universidades mais sobre ética, novos instrumentos legais, responsabilidade das decisões, proteção de dados pessoais, enfim, é preciso criar os instrumentos necessário para viver e sobreviver neste admirável mundo novo.

Desaprender é tão importante quanto aprender.

Desafios na educação

Desaprender é tão importante quanto aprender. O pior erro que se pode cometer é negar a mudança e ficar preso a velhos paradigmas. Os novos negócios da atualidade rompem com o tradicional e se não quisermos perder a onda é preciso desapegar-se. Quantos softwares você já teve que aprender a usar porque a versão antiga foi descontinuada? É preciso deixar de lado velhos modelos porque já não serão compatíveis com o novo paradigma. Não se trata de abandonar valores, mas não ficar preso a conhecimentos que não funcionam mais. Quando Einstein elaborou a teoria da relatividade, a teoria da gravitação de Newton não perdeu sua relevância, no entanto, se quisermos usar GPS ou enviar sondas para os confins do espaço sideral é preciso usar o modelo de Einstein.

Top Skills

20202015
1Solução de problemas complexosSolução de problemas complexos
2Pensamento críticoTrabalho em equipe
3CriatividadeGestão de pessoas
4Gestão de pessoasPensamento crítico
5Trabalho em equipeNegociação
6Inteligência emocionalControle de Qualidade
7Julgamento e tomada de decisãoOrientação de serviço
8Orientação de serviçoJulgamento e tomada de decisão
9NegociaçãoEscuta ativa
10Flexibilidade cognitivaCriatividade

Se nosso ambiente está em constante mudança e precisamos desenvolver novas habilidades para continuarmos no páreo, quais são estas habilidades que farão diferença em um futuro próximo? Responder esta pergunta é o primeiro passo para começar a construir o conhecimento que será a base dos negócios em alguns anos. O documento publicado pelo Fórum Econômico de 2016 listou as 10 habilidades de maior impacto nos negócios nos anos de 2015 e 2010. É mais fácil olharmos para um futuro próximo do que para um horizonte muito distante onde as inovações podem parecer muito disruptivas ou podemos simplesmente não enxergar onde estaremos.

É interessante notar que já para um futuro bem próximo o documento mostra dois movimentos bastante relevantes que baseiam-se em habilidades ainda não dominadas pelos algoritmos: pensamento crítico que saltou de quarto lugar para o segundo e criatividade que saltou do décimo para o terceiro, ficando acima de gestão de pessoas.  Mas antes de liberar o artista que há em nós é preciso entender que desenvolver criatividade não está ligada apenas à criação artística, mas à forma disruptiva de solucionar problemas e executar soluções.

Quatro caminhos para liderar com Foco na Criatividade

Erick McNulty comenta que criatividade não é apenas ter ideias fora da caixa, é preciso ter foco e disciplina para transformá-la em um projeto exequível e implementá-la, seja em um piloto ou diretamente no mercado. De acordo com ele, há quatro caminhos para liderar com foco na criatividade:

1) Entenda e defina fronteiras. Entenda o maior número de parâmetros específicos de um  projeto quanto seja possível, deixando margem para que o grupo seja criativo sem perder o foco. Manter o time na direção correta com um entendimento de onde se pretende chegar é crucial para tornar o projeto realidade

2) crie um ambiente que promova a criatividade. Isso não significa comprar uma mesa de pebolim ou carteado. Criar condições para simular cenários de forma imersiva e recompensar a predisposição ao risco são duas ferramentas úteis que  o líder dispõe para obter os resultados

3) Decida onde o improviso é apropriado ou não . haverá circunstâncias em que as variáveis  estarão além do controle do líder. Permita que se possa buscar alternativas durante o processo, mesmo que não tenham sido consideradas antes. Ajuste a rota durante o voo.

4) foque nas perguntas e não nas respostas. Não invista em uma solução de imediato, dê tempo para que a ideia seja incubada e não interrompa a criatividade em função de uma implementação prematura.

“As tecnologias do futuro não substituirão os empregos, mas eliminarão atividades que possam ser automatizadas.”

Michael Chui.

O impacto nos empregos

Se as novas habilidades necessárias baseiam-se em comportamentos que nos diferenciam da inteligência artificial ou dos robôs que realizam tarefas repetitivas, muitas oportunidades surgirão no mercado de trabalho. Para Michael Chui, parceiro do instituto McKinsey, as tecnologias do futuro não substituirão os empregos, mas eliminarão atividades que possam ser automatizadas. O impacto disso é que para as novas oportunidades, será exigido novas habilidades baseada em comportamentos que nos diferenciam das máquinas. Mas quais são estas habilidades e como adquiri-las?

Um relatório publicado pelo instituto  McKinsey sobre empregabilidade relata que mundialmente, os jovens possuem uma probabilidade três vezes maior que seus pais de ficarem fora do mercado de trabalho, mas paradoxalmente há falta de profissionais habilitados, sendo que apenas 43% dos empregadores entrevistados concordaram que podem encontrar profissionais qualificados entre os jovens recém-saídos das universidades. Isso mostra que as universidades continuam formando profissionais para as profissões do passado.

Preparar para atividades que ainda não existem

O grande desafio é estabelecer uma grade curricular que prepare o profissional para atividades que ainda não existem. Não se trata de mudar totalmente o currículo, mas de adaptá-lo de forma a priorizar pensamento crítico, a criatividade e os relacionamentos humanos. No campo jurídico, por exemplo, novas leis deverão ser discutidas a exemplo das novas diretrizes de proteção de dados e questões ambientais que são realidade na comunidade Européia. Segurança cibernética é outra área que trará inúmeras oportunidades, questões ambientais, desenvolvimento de softwares, computação quântica, etc.

O modelo de ensino precisa levar em conta que  a tecnologia muda várias vezes enquanto o profissional que acabou de se formar irá permanecer no mercado. Isso significa que este profissional terá que ser reinventar várias vezes e para isso será necessário deixar pra trás velhos conceitos e conhecimentos que foram substituídos por outros mais amplos e mais abrangentes. As universidades precisam nos ensinar como desaprender e como buscar novos conhecimentos à medida que novas tecnologias despontam.

Fontes

The 10 skills you need to thrive in the Fourth Industrial Revolution. World Economic Forum

Technology, jobs and the future of work. Executive Briefing McKinsey Globa Institute, May 2017

The future of jobs. World Economic Forum Report (Download PDF)

How to spark “Next-Gen” creativity. Strategy+Business Newsletter. Eric J. McNulty.