Trabalhando com equipes multiculturais e multifuncionais em ambiente VUCA

Texto: Fernando Neves, Ph.D.

Imagem: Alexandra (Alexas_Fotos, Pixabay)

As organizações são formadas por pessoas e pessoas são diferentes, possuem interesses e aspirações distintas e acima de tudo cada um tem a sua própria personalidade e individualidade. Mas o que acontece quando estas pessoas possuem um objetivo comum? O que ocorre quando situações limites ocorrem? O que as motiva a colaborarem umas com as outras? Situações extremas como as vividas nas cavernas da Tailândia em 2018 quando doze meninos e seu treinador de futebol ficaram presos após o alagamento que os deixou presos em um bolsão de ar ou nas minas de carvão no  Chile em 2010 que colapsou deixando 33 mineiros presos a 1600 m abaixo da superfície nos ensinam que o trabalho em equipe ultrapassa fronteiras e culturas. Estes dois casos mobilizaram pessoas do mundo todo na busca de soluções que pudesse resgatar estas pessoas em tempo hábil para que saíssem com vida. Nos dois casos, a solução definitiva demandou dias,mais especificamente 25 dias nas cavernas e 70 dias nas minas de carvão, sendo necessárias soluções temporárias para manter estas pessoas vivas e em condições psicológicas que as possibilitasse sobreviver naquele ambiente hostil até que a solução final fosse efetivamente encontrada e colocada em prática. Nestes dois exemplos grupos de pessoas muitas vezes estranhas se uniram com um propósito único e agiram como uma equipe. Nestes momentos alguns assumiram a liderança, outros se dispuseram a colaborar para que o desafio fosse cumprido.comprar este livro

A grande questão para aprender com estes dois exemplos é: Como transformar estranhos em uma equipe? Ou ainda, como fazer isso dentro das organizações criando grupos interdepartamentais ou grupos que se formam para solucionar um problema específico e conta com pessoas que estão interagindo pela primeira vez, sendo em muitos casos de países e culturas completamente diferentes? O que podemos aprender com estes dois exemplos extremos? Quais os prós e contras de se formar grupos de pessoas que nunca trabalharam juntas antes em relação a grupos coesos e já integrados? Não há certo ou errado, mas há situações que times integrados atingem melhores resultados. É o caso de um time de vôlei, por exemplo, uma orquestra ou uma equipe de engenheiros trabalhando na implementação de um projeto já pré-definido. Há outras, porém, onde as definições ou as soluções simplesmente não existem e neste caso a diversidade de ideias, culturas, conhecimentos, enfim, as diferenças e o olhar de fora trazem uma outra dinâmica. Cada vez mais o aumento da volatilidade, incertezas, o crescimento da complexidade e a ambiguidade de informação (VUCA) tem criado um ambiente de negócios onde a colaboração com agilidade é cada vez mais crítica. As organizações precisam estar atentas ao desenvolvimento de novos mercados e às ameaças competitivas. Temos cada vez menos tempo de organizar equipes integradas para solucionar problemas ou crises. No entanto, esses grupos interfuncionais muitas vezes se chocam com incentivos desalinhados, tomada de decisão hierárquica e rigidez cultural, fazendo com que o progresso não ocorra ou que nenhuma ação seja tomada. Alia Crocker, Rob Cross e Heidi Gardner em artigo da Harvard Business Review consideram que Uma parte significativa do problema é que o trabalho ocorre por meio da colaboração em redes de relacionamentos que geralmente não espelham estruturas de relatórios formais ou processos de trabalho padrão, além disso, a maioria das organizações não gerencia a colaboração interna de maneira produtiva e presume que a tecnologia ou organogramas formais podem gerar agilidade. De acordo com eles, estes esforços muitas vezes falham porque carecem de redes informais de relacionamentos. Não basta acreditar que a hierarquia vai funcionar e que basta escalar o problema para a chefia que tudo se resolve. É preciso dar estímulos para que as pessoas se auto motivem e sintam-se valorizados com sua contribuição. Uma paixão pessoal por alguma área em específico como inteligência artificial, sustentabilidade ou tecnologia pode ser a ponte entre o estratégico e o operacional. A comunicação interdepartamental depende muito mais da agilidade informal das pessoas do que dos sosfisticados sistemas de comunicação em rede.Comprar este livro

Considerando os exemplos dos resgates dos mineiros dou dos adolescentes, o que podemos aprender e trazer para nosso ambiente corporativo? Amy Edmondson, professora de liderança e gestão em Harvard afirma em sua palestra no TED Talks que uma equipe é um grupo de indivíduos interdependentes, com ligação estável e que compartilham do mesmo objetivo. Por outro lado, ela desenvolve um conceito de “Teaming” que traz a ideia de uma equipe em constante mudança e que precisa se adaptar à medida que resolve os problemas. Amy desenvolveu seu trabalho de pesquisa deste tipo de equipe “mutante” em diversos ambientes como hospitais onde onde a todo o tempo o ambiente muda, mas foi trabalhando nos estúdios da Disney Animation que ela pode estudar mais de 900 profissionais sendo que estas pessoas eram de diferentes áreas de atuação. Cientistas, artistas, roteiristas, programadores, editores de vídeos, enfim, uma mescla de cérebros altamente qualificados organizavam-se em equipes que constantemente mudavam de configurações. Durante este projeto, Amy coletou  informações e pôde perceber que apesar da alta qualificação dos profissionais, eles se deparavam regularmente com situações onde precisavam fazer coisas que nunca haviam feito antes.

Em um ambiente dinâmico, ambíguo, incerto e complexo não podemos mais achar que resolveremos os problemas sozinhos

Quais são então os fatores que levam pessoas diferentes, sem conexão anterior e às vezes desconhecidas a trabalharem em equipes atingindo alta performance e agilidade? E quais são as barreiras? Ela então, conclui que para garantir que estas equipes funcionem são necessárias basicamente três coisas: Primeiro, é preciso ter humildade em relação ao desafio que temos pela frente. Segundo, é preciso estar interessado acerca do que os outros estão trazendo para o grupo. Amy chama isso de curiosidade e por fim, é preciso estar disposto a correr riscos para aprender rápido. As grandes barreiras são exatamente os opostos a estes fatores, ou seja, achar que somos capazes de resolver os problemas nos nossos silos, não ter a humildade de assumir que não temos a solução e bloquear o aprendizado de novos conceitos. Em um ambiente dinâmico, ambíguo, incerto e complexo não podemos mais achar que resolveremos os problemas sozinhos e em muitos casos o conhecimento que temos está obsoleto, então é preciso estar disposto a desaprender e se abrir ao novo para então reaprender. Já não há espaço para a cultura do eu ou você, comenta Amy, mas é preciso estabelecer a cultura do nós. É necessário mudar o “mindset” para liderar equipes eficazes. Talvez ainda seja possível resolver alguns problemas em nossos próprios silos, mas quando vamos além e rompemos as barreiras dos nossos feudos milagres podem acontecer. Quando o resgate dos mineiros do Chile iniciou-se não havia tecnologia disponível para perfurar 1600 metros de rocha de uma dureza raramente vista, mas  a humildade de dizer não sei, ter a capacidade de desaprender e a disposição para assumir riscos para aprender novos conceitos de forma mais rápida os levou a salvar a vida daqueles homens. Por dezessete dias, engenheiros, profissionais da NASA, pessoas de diversas empresas e muitos voluntários chegaram a uma solução de como fazer uma pequena perfuração na rocha para abrir a comunicação, levar alimentos, água e medicamentos a eles. No entanto outros cinquenta e três dias foram necessários para a solução final de construir uma cápsula que os traria um a um até a superfície.Comprar este livro

Seja no mundo corporativo ou na vida pessoal, ainda vale a velha reflexão que a seleção natural nos legou: Não são os mais fortes que sobrevivem, mas os que mais rápido se adaptam. Romper barreiras físicas e culturais, entender o que motiva o indivíduo a abrir mão da individualidade para representar um grupo, agilidade e rapidez  são condições indispensáveis para sobreviver ao ambiente mutante e instável que nos cerca.

Fontes:

Amy  Edmondson ( Harvard Business School)- TED NYC, How to turn a group of strangers into a team?

Alia Crocker (Babson College), Rob Cross (Babson College), Heidi K. Gardner (Harvard Business School),  how to make sure agile teams can work together.