Fernando Neves, Ph.D.
Eram por volta de sete da noite quando entrei na sala onde estavam executivos de várias empresas e logo fui informado que o treinamento duraria por volta de três horas. Era algo realmente diferente e fora da caixa pra mim o que estava para acontecer ali. De cara o instrutor Márcio, diretor do Great Place to Work nos informou que a metodologia que seria usada não permite o uso de PowerPoint o que achei fantástico. Não que não goste deles, até porque quando bem utilizados podem render excelentes resultados, mas não é incomum instrutores usá-los como muletas e destruírem o resultado do seu trabalho com excesso de textos e de um número interminável de slides que acabam tirando o foco daquilo que realmente importa. Na sequência,recebemos um kit de peças Lego e nos foi solicitado montar uma torre. Era apenas o início da brincadeira que teria continuidade em uma mesa repleta de peças que seriam utilizadas durante o curso.
O Método
A metodologia Lego Serious Play (LSP) é também marca registrada da empresa Executive Discovery do grupo Lego que possui capacitação e certificação dos instrutores que estão autorizados a aplicar o curso e usar o nome Lego. O método foi criado em 1996 por dois professores: Johan Roos e Bart Victor que buscavam formas alternativas para trabalhar com planejamento estratégico e acabaram convidados pelo então presidente da Lego para desenvolver uma nova estratégia para seu negócio. A ideia de usar o próprio produto da empresa no processo deu origem a um novo negócio para a Lego.
A metodologia permite trabalhar conceitos abstratos e de difícil abordagem de uma maneira lúdica e com leveza. Comunicação, respeito mútuo, criatividade, estratégia, storytelling, introspecção e reflexão são apenas alguns temas presentes no universo corporativo fazem das empresas os principais clientes dos instrutores certificados pela Lego. No entanto, a metodologia não está restrita às empresas, mas a qualquer grupo de pessoas que tenha a necessidade de trabalhar temas voltados ao comportamento humano.
A experiência em participar do Lego Serious Play despertaram em mim alguns insights que na minha opinião valem a pena explorar para aguçar a vontade de outros a buscarem a mesma experiência.
Ninguém é obrigado a participar
Ninguém é obrigado a nada e por isso todos participam. É praticamente impossível uma criança apenas olhar as outras brincarem. Nós adultos, resgatamos a criança naquela noite e isso quebrou algumas barreiras, entre elas a timidez e a falta de imaginação. Quando nada vinha à nossa mente, apenas empilhávamos as peças, mas como mágica, o resultado final fazia sentido e nos sentíamos motivados a compartilhar nosso trabalho. Na vida e obviamente no trabalho enfrentamos situações semelhantes onde é preciso entregar algo que não dominamos ou não conhecemos. Se travamos e não saimos do lugar fica difícil realizar a entrega, mas a medida que simplesmente iniciamos o trabalho nosso cérebro vai mostrando caminhos, pessoas, conexões e de alguma forma encontramos a solução. Criatividade pode até vir por inspiração, mas como nos ensinou Thomas Edison, a transpiração é que faz a diferença no resultado final.
Modelos facilitam a comunicação
Ao trabalhar modelos com as peças, transferimos nosso mundo escondido para nossa obra de arte e isso abre a comunicação com o mundo. Em determinado momento fomos encorajados a interpretar o modelo da pessoa que estava ao lado. Este simples fato inicialmente criou ansiedade e preocupação. E agora? Como avaliar o trabalho do outro? E se minha interpretação não tiver nada a ver? E se eu passar vergonha? No entanto, a experiência quebrou os silos que haviam entre duas pessoas sentadas lado a lado. Ao expor nossa arte íntima para o outro tínhamos a inocente impressão que só nós poderíamos interpretar nosso produto, mas algo impressionante acontecia quando ouvíamos claramente o significado que até então estava só na nossa individualidade. Isso mostra que somos mais parecidos com as outras pessoas do que realmente acreditamos. Colocar-se no lugar do outro e interpretar o modelo dele sob a minha perspectiva e depois alinhar o que cada um tinha em mente abre a comunicação de duas vias. É muito difícil comunicar quando apenas vejo meu ponto de vista, mas quando calço o sapato do outro consigo entender a dor causada pela pedra que estava lá dentro.
Respeito mútuo
Aprendemos a respeitar o outro. O instrutor nos explicou que o processo é como uma espiral que inicia na nossa individualidade e vai se abrindo, conectando-se e tornando-se mais complexo. O ápice do curso foi construir um mundo compartilhado. Aparentemente eram apenas peças, mas cada peça tinha um significado para quem a compartilhou e o respeito em inserir o outro no meu contexto me faz refletir minhas ações. No mundo compartilhado não há hierarquia, cada um contribui com o que tem de melhor, a comunicação flui naturalmente e o contexto final faz sentido. No nosso dia a dia, criamos um mundo compartilhado o tempo todo quando atendemos o mesmo cliente, trabalhamos no mesmo projeto, criamos um produto novo ou até mesmo quando educamos nossos filhos como casal. Quando olho minha caixa, meu departamento sem me conectar com as outras áreas não consigo contribuir para a criação do valor compartilhado. Se todos agem da mesma forma desconectada criamos Franksteins que embora pareçam humanos na verdade são monstros sem identidade. Antes de compartilhar é preciso respeitar e entender a contribuição dos demais.
No mundo compartilhado não há hierarquia, cada um contribuiu com o que tem de melhor, a comunicação flui naturalmente e o contexto final faz sentido.
Ao final daquela noite me senti mais leve ao refletir sobre meu propósito seja ele na vida ou em determinado projeto ou problema do cotidiano. Pude ver que não estou só, tive mais disposição em conhecer mais sobre a dor do outro seja ele meu cliente ou concorrente.
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